Natal Sem Tempo
© 2006 Solange Parpinelli Breder

Pi, Pi, Pi, Pi...
Rádio Relógio do Brasil!
Pi, Pi, Pi, Pi...
Galeria Silvestre, a Galeria da Luz!
Pi, Pi, Pi, Pi...
Você sabia?!...

E o rádio-relógio, na minha ansiedade, me faz lembrar que o tempo não tem pressa de passar e que sempre haverá luz no fim do túnel...

São 18 horas do entardecer.
A angústia é tão grande que não é possível se aventurar no sonhar.
Ando zumbi pela casa.

Agora falta um quarto.

A hora, ao mesmo tempo, continua passando.

Agora falta um terço.

Cai a noite.
O sono faz-se arrebatador.
Levanto-me e saio.


É inverno na estação, mas o calor e o trem não esperam a hora certa de chegar.

Vou à missa.

Corro com a culpa antecipada de não chegar a tempo do previamente calculado.
Num esforço sobre-humano chego antes do ponteiro.

Na plataforma vejo o trem indo... seguindo... por segundos... antes do horário.

Arrasto-me para um banco de ripas de madeira, por onde o sol certamente ultrapassaria e me projetaria vulto numa prisão.

Choro por mais uma vez não ter encontrado com Deus.

No trem, o maquinista, põe mais fogo na fornalha.
O calor é para ele aconchegante e ele já se sente em casa.
Corre sem se importar com aqueles quepossa ter deixado para trás.

Levanto-me sobre a ocorrência.

Sobre o banco, abro a bolsa e cato o dinheiro que me resta e aviso ao motorista do táxi que siga o caminho do trem, até onde o que dispunho pudesse cobrir a corrida.

Entreguei-lhe sem contar.

O motorista, notando minha apreensão, pegou um atalho, voltou a seguir o muro da linha do trem, bem mais adiante e me deixou na estação à frente.

Plataforma vazia.
Só eu.

E o trem antecipado, vinha a todo vapor.
Sem a intenção de parar.

Eu, só, não era motivo para ele parar.

Sem reduzir, colocando mais fogo na fornalha, deliciava-se com os estalidos e fagulhas, que como fogos de artifícios voavam pelo ar.
Eram como piscas-piscas que se confundiam com a data natalina, que o fazia correr para o lar, para da ceia compartilhar.
Só os parentes já lhe enchiam a morada; fora os amigos e vizinhos para beber até se embriagar.

Eram muitos os que se esqueciam do pequenino Jesus na manjedoura do lar.

E eu, só, lembrando do grande Deus, não conseguiria mais, a tempo, em sua casa chegar.

O maquinista obra pá pós pá,
Alimentando o fogo,
Criando o nosso inferno.

Negligente,
O maquinista atravessa o tempo para fazer história e eu,
Desesperançosa na plataforma a olhar.

O trem vindo alucinado vomitando fumaça no ar,
Adentra a plataforma esfumaçada e
O maquinista apita:
Piuiii...Piuiii...Piuiii...Piuiii...
Advertindo que não dá mais para frear.
A caldeira de ferro apita insandecida sem parar:
Piuiii...Piuiii...Piuiii...Piuiii...

Na penumbra que se forma me vejo só,
Com a minha vida nos trilhos.

Vejo no fim do túnel uma luz que cresce...

O trem transpassou apitando desarvoradamente por falta de tempo.
Tão rápido que nem Deus pode fazer milagre.

E assim tomei o trem.

No dia seguinte o rádio-despertador tocou a hora de sempre:
Pi, Pi, Pi, Pi...
Rádio Relógio do Brasil!
Pi, Pi, Pi, Pi...
Galeria Silvestre, a Galeria da Luz!
Pi, Pi, Pi, Pi...
Você sabia?!
Que muitas das vezes um segundo apenas é o suficiente para se salvar uma vida?!

Esse Natal não passei só.
Na luz do fim do túnel pude rever meus parentes e amigos, até mesmo meu cachorrinho Rex.

Constatei que rever os parentes no Natal é pura ilusão ou desilusão.

Não fui à casa do Senhor.
Por ter seguido por um atalho, não encontrei o caminho.

Blim...Blom...Blim...Blom...

Os sinos tocam numa igrejinha em frente a minha casa.

É uma gravação.

 

Solange Parpinelli Breder ([email protected]) é escritora e diretora da Callmunity, atua na área de Qualidade e Responsabilidade Social.
Visite seu blog em www.voxactiva.com.br

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